top of page

Não fique aí apenas sentado, faça alguma coisa.

Atualizado: 31 de jul. de 2020

Compromisso espiritual após o assassinato de George Floyd.


Por: Joe Loizzo

Tradução e Revisão: Grupo de Tradução do psicoterapiacontemplativa.org

 

A cada ano, a medida que o verão se aproxima me sento para escrever algo celebratório para as graduações de nossos alunos do programa de Psicoterapia Contemplativa e outros programas. Mas me parece impossível celebrar qualquer coisa após assistir ao desesperador vídeo da morte de George Floyd.


Enquanto o coronavírus devasta os Estados Unidos, impactando de forma desproporcional nas comunidades negras, pardas e indígenas, expondo a injustiça da disparidade nos âmbitos da saúde e das desigualdades econômicas que expõem o racismo estrutural da nação, vemos a cultura do supremacismo racial branco se multiplicando nos assassinatos de Breonna Taylor, Ahmaud Arbery, Tony McDade, George Floyd e nos tweets incendiários do nosso presidente.


Mas como nossos líderes pretos, pardos e indígenas nos tem ensinado, esse ataque não é nada novo. Assistir a vida de George Floyd sendo friamente sufocada por um policial comum branco é testemunhar a reencenação de séculos da mesma indiferente opressão contra os negros e índios desta terra, a repetição de um trauma coletivo, tão sádico e psicopata, quanto qualquer outro genocídio da história humana.


Cada um dos vários apelos ignorados de George Floyd seria suficiente para destruir qualquer fantasia triunfante dessa nação como uma fonte de esperança na humanidade ou como refúgio de liberdade - ou de qualquer sentido de grandiosidade. Assim como a causa raiz do novo coronavírus está nos séculos de exploração violenta da vida na Terra pela cultura colonialista europeia, estruturada para enriquecer homens brancos como eu, também a causa primeira desses assassinatos e dos protestos que se seguiram recai nos séculos de opressão sistemática e genocida e na exploração dos povos negros e indígenas como forma insidiosa e extrema de expressão dessa cultura, manifesta aqui nos Estados Unidos.


É por isso que pessoas como eu não podem simplesmente ficar "neutras" ou "imparciais", porque nosso lugar social de privilégio e poder, por si só, nos coloca em uma posição de cumplicidade desse sistema de opressão, especialmente se nos trancarmos em uma postura cega de negação. Essa cumplicidade é real, independente do quanto podemos ter sofrido a nível pessoal de outras formas, do quão pouco nos identificamos conscientemente com sermos brancos, ou do quão sinceramente nos envolvemos ou trabalhamos para perceber os valores de justiça social.


O que essa cumplicidade significa é que ao "fazer nada" ou ao "não tomar partido", estamos, via de regra, escolhendo não sair da cegueira da negação, não vemos que, aceitando os privilégios de sermos brancos no nosso sistema social, sem ativamente trabalhar para desmontar a violência racial estruturada já É "tomar partido" e É suficiente para nos fazer cúmplices de tal violência. Em outras palavras, ao simplesmente viver como brancos, enquanto pessoas de cor são violentadas sistematicamente, estamos agindo para perpetuar o sistema que as violenta e nos aliando ao legado da opressão, mesmo que acreditemos rejeitá-lo.


É por isso que pessoas como eu não podem simplesmente ficar "neutras" ou "imparciais". Especialmente depois de testemunhar os últimos minutos de George Floyd, não posso mais viver usufruindo o fato de ser visto e tratado como branco, sem usar qualquer privilégio ou poder que esta posição me ofereça para interromper e destruir o contrato social imoral que criou tal situação - e que por séculos pressiona com o joelho o pescoço de pretos, pardos e índios americanos.


Portanto, ao honrarmos o trabalho árduo e as conquistas curativas de nossos alunos este ano, é com um forte senso de desgosto e urgência sobre este mundo que compartilhamos. É também com um chamado à ação para que como indivíduos e como comunidade nos unamos em solidariedade com negros, índios e pardos membros da comunidade e amigos, canalizando tudo que podemos - incluindo tudo que aprendemos sobre a causalidade do sofrimento e da cura - para trabalhar e transformar nossa sociedade violentamente racista em um campo de valorização da vida e de despertar compassivo para todos, especialmente para as comunidades oprimidas e marginalizadas.


Embora essa seja claramente uma missão maior que uma vida, sabemos que toda mudança coletiva reflete uma mudança individual combinada. Simplesmente ao ouvir as vozes dos membros das comunidades negras, pardas, indígenas e asiáticas, nos damos conta de que cada um de nós tem trabalho a fazer para uma vida inteira. Inspirado pelos membros do nosso Comitê de Inclusão, acredito que esse trabalho pode e deve começar em nossos corações, mentes e vidas, e que isso deve alavancar nosso posicionamento social, incluindo a sabedoria e a arte curativa que recebemos da tradição Nalanda, para colocar a nós mesmos, nossa família, nosso trabalho e nossas redes a serviço de uma mudança estrutural radical na nossa maneira coletiva de ser e de viver.


Para os que pensam que essa mudança social progressista tem pouca relação com a espiritualidade, especialmente com a sabedoria psicológica não-violenta do budismo, eu respeitosamente peço que repense. Sakyamuni não era apenas um gênio psicológico, mas também um gênio social. Ele sabia que a cura pessoal requeria um espaço de cura social dentro do sistema de castas racista da Índia antiga. Ele também sabia que transformar a sociedade da Índia iria requerer a transformação coletiva a partir da "comunidade sem-teto" (bikshu-samgha) composta por indivíduos marginalizados e oprimidos de todas as raças, classes, gêneros e religiões. Seu maior legado social foi criar e moldar essa comunidade autossustentável, que serve de refúgio para todos que necessitam de um espaço seguro de cura, aprendizado e mudança. A história subsequente da Índia e da Ásia budista provou a sabedoria desse ativismo não-violento.


De fato, o triunfo dessa comunidade inclusiva e não-violenta do Buda na Índia e na Ásia se erige como prova da verdade da sua fé radical em nosso potencial humano para sabedoria e compaixão não-condicionadas. Ao aproveitar as ferramentas contemplativas de auto-investigação intersubjetiva, as técnicas sistemáticas para acalmar a mente e o cérebro, e o cultivo de um coração espontaneamente amoroso, o método de cura do Buda Sakyamuni efetivamente transformou a inteligência coletiva da Ásia da luta violenta pautada em visões segregadoras de "eu-outro", "nós-eles", em direção à cultura da não-violência, do "todos-nós" contra nossos inimigos internos comuns, abandonando a delusão separativa, a ganância destrutiva e o ódio que envenenam os seres humanos e as sociedades, especialmente a cultura colonialista branca que matou tantos milhões de pessoas não-brancas pelo mundo, incluindo George Floyd.


Sakyamuni não era apenas um gênio psicológico, mas também um gênio social. Ele sabia que a cura pessoal requeria um espaço de cura social dentro do sistema de castas racista da Índia antiga.


Então, se queremos evitar psicologizar, cientificizar, mercantilizar e despolitizar a cultura budista da não-violência, devemos seguir líderes como Rev. Angel Kyodo Williams, Jasmine Syedullah, Lama Rod Owens, Sebene Selassie, Ruth King e Larry Yang que abriram um diálogo real entre a abordagem budista e a abordagem ocidental de transformação social.


Na realidade esse diálogo começou bem antes de nós, quando o Dr. Martin Luther King estudou a versão Hindu moderna de Gandhi sobre a visão budista de resistência social, ao lado de seus companheiros ativistas: o contemplativo católico Thomas Merton, o budista vietnamita e ativista pela paz Thich Nhat Hanh, o ativista teólogo judeu Abraham Joshua Heschel e ainda o ativista negro muçulmano Malcolm X.


Devido às trágicas perdas e contratempos dos últimos dias, meses e anos, parece haver pouca esperança de mudança no racismo estrutural em nosso tempo. Esta talvez seja mais uma razão do por que este é o tempo para nós - como indivíduos e como uma comunidade - seguirmos nossos líderes de cor na adaptação do legado budista de resistência não-violenta para ajudar a manter o trabalho antirracista nos dias de hoje. Para que seja real, nossa transformação precisa ser parte de uma transformação social mais abrangente, assim como qualquer mudança social mais abrangente deve se fundamentar em mudanças individuais internas, íntimas e pessoais. Logo, todos nós precisamos trabalhar com mais afinco e de modo mais abrangente agora, mesmo que estejamos plantando sementes para que esse trabalho essencial continue através das próximas gerações.


De minha parte, como alguém que recebeu a tradição Nalanda da mudança interna-externa combinada como parte do meu privilégio, comecei desistindo de qualquer noção de "minha prática contemplativa" ou de "seus frutos" como "minha prática pessoal" ou "minha fruição". Ao invés disso, tenho me comprometido a fazer toda meditação, todo pensamento acordado, toda palavra e ato, tanto quanto possível "nosso", dedicado especialmente a ajudar os oprimidos a encontrarem segurança, abundância, compaixão e o despertar completo. Além disso, tenho me comprometido em trabalhar de perto com nosso Comitê de Inclusão para continuar a integrar educação e treinamento em diversidade, equidade e inclusão em todos os programas do Instituto Nalanda, na esperança de promover uma comunidade de aprendizado, que seja realmente inclusiva e que cresça no sentido da liberação e do despertar coletivo.


A vocês, nossos maravilhosos graduandos e amados membros da comunidade, e a todos que lerem isso, peço que, por favor, juntem-se a nós e façam tudo que puderem para fazer a diferença, não só pra você mesmos e seus entes queridos, mas para toda comunidade multi-racial, multi-cultural, multi-gênero e multi-habilidades. Que o legado de 2500 anos do Buda de transformação lenta da Ásia pré-colonial nos inspire a persistir através do nosso sofrimento coletivo e a trabalhar incansavelmente até o despertar de todo nosso planeta arco-íris.


* Joseph (Joe) Loizzo, MD, PhD, é um psiquiatra que teve treinamento em Harvard e um estudioso budista treinado em Columbia, com mais de quarenta anos de experiência no estudo dos efeitos benéficos das práticas contemplativas na cura, no aprendizado e no desenvolvimento. Ele é professor assistente de psiquiatria clínica em medicina integrativa na Weill Cornell Medical College, onde pesquisa e ensina auto-cura contemplativa. Ensinou filosofia da ciência e da religião, o estudo científico dos estados contemplativos e a cultura indo-tibetana e ciências da saúde na Universidade de Columbia, onde é professor assistente adjunto no Columbia Center for Buddhist Studies.

45 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo
bottom of page